O MURO
Ele é um chuchuzeiro simpático e galante, ela, uma roseira florida e romântica separados por um muro.
O pé de chuchu cresceu rápido no quintal de Seu Zezinho, os ramos se espalharam e subiram no muro. A roseira, antiga no jardim de Dona Flor, Florzinha para os amigos, vivia para se cobrir de rosas cor de rosas. Seus ramos cresciam e se esticavam por sobre o muro, foi assim que se conheceram.
Eles se viam todos os dias, o dia todo, observavam o vizinho, se havia frutos, se havia flores. A beleza da roseira estava nos cachos cheinhos de rosas. Mais do que bela era simples, simpática, singela. Oferecia mel de suas flores, exalava perfume, enfeitava o jardim.
Ela o via crescer, esticar os ramos em direção ao muro, aproximar-se dela. Ficaram amigos, da amizade nasceu o amor. Tudo parecia correr bem. Ele plebeu e fecundo, um manto de folhas verdes com frutos dependurados em suas ramas. Ela de origem nobre, mas na sua simplicidade, acostumada a todos acolher e a embelezar a vida, abriu seu coração.
Diariamente estendia seus galhos - quase não tinha espinhos – além do muro balançava os cachos floridos, deixava tombar pétalas sobre o emaranhado verde, objeto de seu amor. O chuchuzeiro mais afoito esticava suas ramas e com fitas verdes enlaçava e abraçava os amados cachos de rosas. Era um amor para se deixar florescer.
Mas Florzinha, zelosa com seu jardim, de manhã pegava uma vassoura e separava os amantes, chuchu para o lado de lá, roseira para o lado de cá. Apaixonados eles insistiam, debruçavam sobre o muro, se entrelaçavam. Florzinha separava, podava os galhos mais afoitos da roseira, com a vassoura empurrava as ramas compridas do chuchu para o outro lado. Ali o amor parecia destinado a se realizar só pelo olhar que trocavam por cima do muro – visão platônica – e pelo murmúrio de suas folhas. Mas para tudo a vida dá um jeito. Às vezes Florzinha viajava. Então o amor reinava, acima do muro eles se abraçavam, se integravam, se inteiravam, a rosa formosa e o chuchu cheiroso impregnado da essência da rosa.
Ora acontece que numa dessas viagens Florzinha demorou mais do que de costume. Quando voltou, correu para o jardim. Assustada com o espetáculo pegou uma tesoura, encostou, de imediato, uma escada no muro, e subiu, e viu Seu Zezinho, viu e gostou do que viu, e conversa vai, e conversa vem, ela recebeu três chuchus, para Seu Zezinho ofereceu um cacho de rosas cor de rosa. A beleza das rosas era tanta que foi colocada para enfeitar um vaso de cristal, seu perfume espalhou e o fazia lembrar-se da vizinha. O chuchu virou um souflê saboroso. Feliz Florzinha passou pelo muro um pouco só para o vizinho experimentar. Ele lhe passou uma penca de fruta exótica cultivada no quintal, de cujas frutas ela fez um suco, convidou-o para provar. Ele foi, chegou, bateu e entrou pela porta da frente como pedia a ocasião. Hoje sem outros cuidados senão amar, podem ser vistos de mãos dadas passeando pela cidade.
Florzinha concluiu que o muro é um apoio, não separa, mas sim une ao preservar a individualidade. Ela ainda usa a vassoura para varrer o lixo e a tesoura para cortar os excessos.
E como o amor é lindo, no muro, a beleza da rosa se funde à verde ramagem do chuchuzeiro, embora distintos, eles se completam.
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